quinta-feira, 7 de julho de 2016

Um desabafo qualquer

Bem aqui pensando em tanta expectativa que eu tenho sobre mim mesma. Nenhuma realizada. O quanto eu me sinto obrigada a dar uma satisfação para as pessoas ao meu redor sobre as minhas não conquistas.
Poxa, já é suficientemente torturante pra mim tudo que eu vejo acontecer comigo, vocês não acham?
No fundo eu acho que isso é ser mulher. Uma vida pesada. Não me sinto boa dona de casa. Não sou realizada profissionalmente. Não me considero boa filha, nem boa amiga. E como esposa, sou chata. Ainda bem que não tenho filhos.
Eu até poderia me aprofundar nos motivos pelos quais eu não me sinto boa em nada, mas como também sei que não sou boa escritora, vou pular essa parte.
Será que ser mulher se resume nisso? Ou escolhe uma coisa para ser boa e abre mão das outras Ou assume mais ou menos todas as responsabilidades de ser mulher e fica se sentindo feito o lixo que eu estou agora?
Porra de sociedade!
E se eu quiser ser "só" dona de casa? E se eu quiser que o meu marido me sustente?
E se eu quiser ser "apenas" uma escritora. E se eu quiser ser uma escritora e for uma escritora medíocre? Sabe aquele tipo que nunca ninguém vai saber quem é?
E se eu quiser só ter uma lojinha de roupas bacanas que dá pouco lucro?
E se não for meu sonho trabalhar exaustivas 18 horas por dia?
E seu eu achar bem ridículo você ter orgulho de acordar 5:30 da manhã todo dia?
E se o meu conceito de sucesso for diferente?
E se mesmo assim eu quiser ganhar muito dinheiro?
E se eu gostar de falar palavrão?

Falando nisso vou mandar outro agora:
ME DEIXEM SER FELIZ EM PAZ, CARALEO!!

Vida que segue - Gilda 2


Os dias passavam lentamente na casa do Lucas. Todos os dias ele saia para trabalhar na livraria do Camilo, um amigo das antigas da Gilda. Inclusive, esses dias ela pensou que deveria dar uma passada para rever o velho companheiro e agradecer pelo emprego do filho.
Mas estava concentrada no futuro. Precisava trabalhar também. Só que sabe como é... quem vai querer uma funcionária velha e ex-presidiária?
Na cadeia, ela fez uma aulas de culinária com o pessoal de uma ONG. Se nada desse certo ela estava pensando em fazer uns quitutes para vender. Quem diria em Gilda?

Enquanto isso, Alberto, o fiel escudeiro aparecia todo dia para o café com pão de queijo da tarde. Ele também estava na merda. A Gilda era a melhor cliente do escritório dele, quando faliu, ele ajudou como pôde e se afundou também. Ainda bem que passou num concurso, não era mais rico mas até que viva bem. Aliás ele chamou Gildoca para ir morar com ele, mas ela não iria aceitar nem nas próximas dez encarnações.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Depois do FIM - Gilda 1

Eis que Gilda saiu da prisão. Os portões de ferro da Cadeia Feminina do Estado se abriram para que ela passasse para a tão sonhada liberdade. Não é mais a mesma pessoa que entrara, não carrega mais ódio algum, nem quer se vingar. Entendeu que errou e teve de aguentar as consequências. E aguentou.
Sente-se apenas um trapo, um rascunho da mulher elegante e poderosa que fora um dia.Usava uma saia jeans até os joelhos, camiseta branca, chinelos pretos e baratos.Surpreendeu o filho, pois não parecia se importar nem um pouco com a própria imagem, como fazia antigamente. Alberto, o fiel amigo e advogado também a aguardava. Ambos, do outro lado da rua, assistiam suas reações até encontrá-los como em uma cena de fim filme.
E era mesmo para ser o fim. Durante todo esse tempo presa, Gilda concordou que a cadeia era um final merecido. Aprontou muito, achou seis anos até pouco. E acredite: ela ainda agradeceu por não ter tido tempo de matar o Noronha!
Sim, Gilda se arrependeu. Arrependeu não... Recuperou seria mais apropriado. Estava cega naquela época. E com certeza daria um jeito de resolver a situação sem ser pega. Já tinha combinado sua volta para a Itália. Recomeçaria a vida com Lucas e ninguém poderia encontrá-la. Esse sim era o final perfeito para o filme que a Gilda tinha planejado. Mas não foi.
E agora estava no carro do Alberto indo para a casa do Lucas, observando a cidade e pensando no que seria dali pra frente. Estacionaram em um bairro simples em frente a portaria. De fora, via inúmeros blocos de apartamentos. Nada parecido com a exclusividade da qual se acostumara facilmente no passado. Entraram, caminharam até o bloco C, chegaram ao quinto e último andar.Lucas foi logo abrindo a porta e dizendo as primeiras palavras, entre qualquer um dos três, desde que saíram do presidio:
"Mãe, esta é sua nova casa!"
Incrível como mesmo depois de tudo que Gilda havia passado ela não conseguia se livrar do ar altivo e avaliador. É... foi mesmo assim, de nariz em pé, que ela avaliou a pequena casa de Lucas. Reconheceu seus móveis, agora já bem desgastados. Tirou uma poeirinha com o indicador e se rendeu ao bom gosto do garoto nas escolhas que fez:
"Que bom, meu filho!! Você fez um trabalho interessante aqui!"

O Lucas já nem era mais um garoto, tinha 25 anos. Estava homem feito. Gilda nem imaginava o que seu filho passara enquanto estivera naquele lugar imundo. Ela sente o ar de estranheza dele. Ora, é de se esperar que duas pessoas ao ficarem tanto tempo sem se ver fiquem distantes mesmo. No começo, o filho foi algumas vezes visitá-la. Bom, mas aquele não era bem um lugar que a boa mãe quisesse que seu filho, e até mesmo os poucos amigos que lhe restaram, frequentassem. Então decidiu não receber visitas até o fim da pena. Isolou-se como quem pagava mais uma penitencia pelo estrago causado.
Ela não conseguia para de admirar seu menino. Alto e forte, no auge da beleza. O cabelo castanho claro e liso, que ele herdou do pai, vivia caindo na testa e dava a ele um ar despojado. Os olhos escuros e expressivos, emoldurados pelas sobrancelhas grossas vieram da Gilda.
Foi um orgulho ver que se virou sozinho. Apesar de ainda não saber se estava trabalhando, se era uma pessoa de bom caráter, se havia estudado. Aparentemente estava bem. Recebeu bem tanto a ela quanto a seu amigo. Ele fez um café e serviu pão de queijo para tentar começar uma conversa mais uma vez.
"Mãe, preparei aquele quarto pra você." disse ele apontando para uma porta que dava direto na sala.
"Ótimo. E você dorme onde? Espero que não esteja atrapalhando."
"Meu quarto é no final do corredor, ao lado do banheiro. Não atrapalha em nada, fiquei com esse apartamento porque tem dois quartos, pensei em quando você voltasse."
Estava até engraçado olhar para a Gilda essa hora. Parecia um pombo estufado, sentindo orgulho e amor por aquela criatura em sua frente. Mas turrona como ela só, não deixou as palavras dizerem o mesmo que o corpo:
"Obrigada, querido!"

Olhou para seu lado esquerdo e viu o Alberto. Mudo e todo desconcertado. Ele não mudou muito desde a última vez que se viram, exceto pelos cabelos um pouco mais brancos e com as entradas mais profundas. Continuava um homem médio, nem tão alto nem tão baixo, nem tão magro nem tão gordo, nem bonito nem feio, nem doce nem salgado e principalmente nem um pouco longe da Gilda.
A Gilda , por sua vez, não sabia se gostava ou se detestava tanta fidelidade. Desde que se conheceram foi assim. Alberto admirava a força dela e usava a sua ousadia como um escudo pra ele. Ledo engano, no fim das contas foi o escudo que precisou de proteção. Ele a defendeu em um julgamento longo e cansativo. Acabou saindo da invisibilidade de que ele tanto gostava por causa da audácia dela.
É realmente estranho ele não ter sentido raiva dela, depois de tantos anos de pura devoção, nem se lembrou de incluí-lo na fuga para a Itália. Se bem que ele não fez nada de errado. Não tinha motivos para fugir.